sábado, 15 de março de 2008

Comunidade NITEROI / NITERÓI – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Por ocasião do carnaval de 2008, alguns episódios na comunidade Niteroi / Niterói, no Orkut, ensejaram algumas reflexões que logo extrapolariam em muito o simples universo deste site de relacionamento. O que era para ser um comentário num tópico da comunidade terminou ganhando quase vida própria e resultou num texto inicial de mais de quatro páginas. Depois de descansar um ou dois dias, ainda no período momesco, o texto recobrou fôlego e disparou parágrafos afora, em busca de auto-realização... Havia coisas, idéias, vagando no éter e nas sombras, que precisavam ser capturadas, interpretadas, ditas. A moderação então, nada pôde fazer senão conformar-se em cavalgar o potro xucro daquela torrente de idéias, na verdade frutos maduros de reflexões subterrâneas que havia muito vinham sendo feitas. O resultado foi praticamente uma dissertação, a que não faltaram sequer algumas citações e referências – tudo em nome da mais completa possível explicitação de um pensamento que, angustiado, dormitava em ambiente impregnado de falácias e incompreensões. Quem quiser conhecer o pensamento da moderação da comunidade Niteroi / Niterói, deverá ler o texto.

Nelson Mendes – 15 de março de 2008.




As limitações da linguagem

O problema da linguagem é que muitas vezes não se pode combinar a plena expressão de um pensamento com a concisão; nem sempre se pode dizer tudo, ser inteiramente compreendido, com poucas palavras. Uma frase simples, enxuta, é como uma rústica rocha que, fotografada à distância, pode ser confundida até mesmo com a imagem de um homem, como no caso daquela foto feita em Marte e recentemente divulgada. (Por coincidência, dias após haver feito essas ressalvas, encontro, em texto didático escrito por um dos maiores professores de língua portuguesa do Rio de Janeiro, as seguintes palavras: “A concisão é, talvez, a principal causa da imprecisão na linguagem legal. No próprio texto das leis, em geral, há uma ‘confissão’ dessa imprecisão ou, pelo menos, um reconhecimento do limite do texto jurídico.”)

Tenho visto no Orkut muitos mal-entendidos, e tenho percebido que muitas pessoas, por má-fé ou ingenuidade, vêem marcianos onde há apenas uma simples rocha. O discurso, quando não devidamente fechado, deixa pontas, ou franjas pelas quais se pode puxar a interpretação para o lado que for mais conveniente. Isso acontece, repito, muitas vezes por despreparo e ingenuidade; mas talvez mais vezes ainda por má-fé e perfídia. O problema da concisão, aliás, fica manifesto já na elaboração do perfil de uma comunidade no Orkut: lei alguma é capaz de prever todas as possibilidades, mesmo que o legislador tenha tempo e espaço para estender-se em barrocas filigranas; o que não é, definitivamente, o caso do owner de uma comunidade, que dispõe de um número restritíssimo de caracteres para falar das suas características e regras. (Por isso, nada mais desonesto que alegar que não se cometeu qualquer crime orkutiano, apenas porque ele não está explicitamente descrito no perfil. E é por isso também que consta do perfil que “caberá à moderação atuar segundo as circunstâncias, no uso inalienável do livre-arbítrio e do bom-senso”.) Há, em suma, muitas questões pendentes, mal resolvidas. Eis a razão porque resolvi me estender em longas reflexões a respeito do Orkut.

O papel do owner

Em muitas comunidades, a vontade do owner é soberana. Compreende-se: é natural que ele queira certas coisas e não outras na comunidade que ele fundou ou administra. A comunidade Niteroi / Niterói é um espaço plural e em que vigora alto nível de liberdade. A prevalecerem os “bofes” dos moderadores (como se dizia antigamente), muitos tópicos teriam sido apagados e alguns membros, eventualmente, expulsos. Mas a moderação não está aqui para fazer a própria vontade; pelo menos não apenas a própria vontade: ela existe para auscultar a vontade geral, sentir o que está dando certo, o que está dando errado, ouvir e checar reclamações, refletir sobre elas – e decidir. A decisão é atributo inalienável de quem está moderando. A moderação, se fosse ater-se a tudo o que é dito, se fosse atender a todos os pedidos, ficaria na situação do velho da fábula, que terminou carregando o burro nas costas para tentar satisfazer o mundo.

Fábula do burro: http://www.vertex.com.br/USERS/SAN/velho.htm

Uma comunidade, na essência, é um espaço particular, pertence ao owner. Por inspiração dos atuais moderadores, a nossa comunidade foi definida como um espaço público, que não pode ser “privatizado”. A idéia é exatamente a de impedir que ela seja tomada de assalto por quem quer que seja. Diz-se que o papel do estado é exatamente o de oferecer um contraponto aos imperativos anárquicos, egoístas e autofágicos expressos por aquela entidade chamada “Mercado”... O papel da moderação é impedir os excessos, zelar para que as discussões se mantenham num nível de razoável civilidade, evitar a privatização do espaço, sobretudo com temas de interesse muito particular ou que por algum motivo possam ser considerados inconvenientes. Claro que haverá sempre alguém descontente com o trabalho da moderação.

As mudanças no “tom” da comunidade

A comunidade Niteroi / Niterói já teve um “tom” muito diferente do de hoje. Os tópicos políticos eram terminantemente proibidos! Os tópicos publicitários eram imediatamente excluídos. Havia também menos tolerância em relação aos participantes que causassem problemas. Quando eu “herdei” a comunidade, procurei não interferir muito, para ir tomando pé da situação. Só muito tempo depois, a partir de observação e reflexão, é que decidi mudar o perfil da comunidade; e, como então já havia moderadores auxiliares, encontrei-me presencialmente com os que puderam comparecer, para discutir o texto do perfil. O texto foi aprovado sem ressalvas, se não me falha a memória. Uma das “novidades institucionais” foi o estabelecimento de um período de 48h para a vigência de tópicos publicitários: satisfazia-se, assim, tanto o interesse de quem desejava fazer propaganda quanto o dos participantes que não queriam ver a comunidade tomada por tópicos do gênero.


A tolerância da moderação e a questão da liberdade

A verdade, entretanto, é que o perfil nunca foi seguido à risca: sempre prevaleceu uma certa tolerância... ou leniência. A moderação preferia sempre acreditar que aquela pequena rusga não iria adiante, que tudo seria levado pelos imponderáveis ventos orkutianos; ou que aquele tópico inconveniente morreria de inanição (o que de fato muitas vezes acontecia) não sendo necessário deletá-lo ostensivamente. Talvez tenha sido um erro. Primando pela liberdade, desejando a todo custo evitar reprimir e advertir, preferindo dialogar pacientemente mesmo com quem disparava pesadas e injustas agressões, a moderação talvez tenha dado margem a coisas que não precisariam ter acontecido. O interessante é que, aparentemente, todo mundo tem o direito de dizer o que pensa, de agredir, seja pela via direta, seja por meio de pérfidas ironias e farpas, ou ainda através de covardes insinuações; mas qualquer reparo à incontinência de um membro da comunidade é imediatamente visto como “censura”, expressão de espírito “antidemocrático”. Em agosto de 2007 eu escrevia no Orkut: “Depois de muita discussão, como foi dito, as atuais regras foram estabelecidas, dentro do espírito o mais salomônico possível. Mas nem assim a moderação deixou de continuar caminhando no fio da navalha que separa o elogio do opróbio. A grande dificuldade - e isso é que os participantes precisam entender - é encontrar o ponto certo entre a permissividade e o excessivo rigor; entre a liberalidade e a censura. Alguns dos que mais clamam por repressão são exatamente os que mais reclamam da repressão - quando eles são os afetados... (...) com o mesmo ardor com que reclamamos das cotoveladas que sofremos, reclamamos quando somos advertidos pelas que damos...”

É realmente interessante registrar que praticamente todos (eu disse praticamente todos) os participantes mais ativos da comunidade, num momento ou noutro, pediram a exclusão de um post, tópico, ou até a expulsão de algum membro. É bom que isso tenhamos isso em mente, para que possamos discutir aqui a questão da liberdade e da censura. Em muitos casos foram atendidos; em outros, não. Porque o moderador age como árbitro de futebol, que, em alguns casos, tem que decidir até mesmo se o jogador teve a intenção de praticar a falta.

Outra coisa bastante curiosa é que exatamente o owner talvez seja, dentre todos os participantes da comunidade, aquele que mais vigia a própria língua, aquele que mais se auto-censura! Uma participação na comunidade Niteroi / Niterói em 5 de março de 2008 é bem ilustrativa:

Ah... que bela piada poderia eu ter feito aqui... Mas piada é sempre um risco: ainda que o autor saiba que ela é apenas decorativa, criada apenas para divertir, ela sempre pode ser lida de muitas maneiras, até inesperadas, ou inadvertidamente fazer vibrar alguma tensa corda psíquica...
E, mesmo que nada disso aconteça, ocorre que os paladares são muito variados: uma pessoa é capaz de se arrepiar com um "nada" de pimenta num prato; outra come pimenta às colheradas. Há quem sorria diante de uma piada; há quem morra de rir; há quem core; há quem fique indignado. Suscetibilidades e paladares são muito variados, realmente.
Pelo sim, pelo não, em nome da paz, eu mantenho minha média: de cada três posts elaborados, ou pelo menos iniciados, eu publico apenas um.
A liturgia do cargo me impõe muitas restrições.

Fato é que ninguém tem engolido mais sapos do que a moderação. A vontade que menos tem sido levada em consideração é exatamente a da moderação! E a principal vontade da moderação é a de que prevaleça na comunidade aquele “dinâmico equilíbrio” que caracteriza os organismos em bom estado de saúde. Para isso, certamente será necessário, muitas vezes, isolar e eventualmente eliminar as “bactérias invasoras”.

Eu ouvi recentemente uma frase muito significativa: “Nem todo mundo está educado para a liberdade.” Num mundo ideal, “crístico”, em que cada um “amaria ao próximo como a si mesmo”, não haveria necessidade de leis, juízes, advogados, policiais, prisões... Cada indivíduo seria seu próprio juiz e mestre, e buscaria sempre o bem comum. A as relações sociais fluiriam à perfeição. Mas os corações humanos não são assim; pelo menos não por enquanto. Sabemos que eles estão cheios de egoísmo e vaidades. E sabemos que, se a mais sublime das obras de arte demanda muito gênio e tempo para ser realizada, pode entretanto ser destruída num piscar de olhos por um idiota qualquer. Do mesmo modo, o mais belo e saudável corpo pode tombar inapelavelmente sob o efeito de pequeno fragmento de chumbo disparado por algum facínora ou irresponsável. E também o clima de uma comunidade no Orkut, muitas vezes construído ao longo de meses de delicada arquitetura relacional virtual, pode azedar subitamente por conta da atuação de uma única “bactéria invasora”. Não se diz que uma laranja podre pode contaminar as demais num cesto? /

A nossa comunidade registra alguns casos que ilustram a tese da “bactéria invasora”, ou da laranja podre. Houve momentos em que caminhava-se para um clima cada vez mais amistoso, gracejos e brincadeiras circulavam em meio a reflexões sérias que apenas proporcionavam à comunidade um “chão” sem o qual tudo seriam abobrinhas e frivolidades. Havia, pois, um correto equilíbrio entre os vários “sabores”. De repente... eis que lá surge ela, a bactéria.

A bactéria pode apresentar-se sob diversas formas: o inconveniente, que acha que pode ocupar todos os espaços com um assunto que praticamente só interessa a ele, incluindo publicidade; o ranzinza, que adora se mostrar “do contra” e cria caso com tudo e todos; o crítico, que vive a fazer reparos ao comportamento dos demais membros e dos moderadores; o barraqueiro, que polui tópicos e caixas de recados com um festival de impropérios e agressões abaixo da linha da cintura; o terrorista, que adora tumultuar e fazer coisas como atualizar anonimamente dezenas de tópicos mortos – o que felizmente não é mais admitido pelo sistema do Orkut; o rebelde sem causa, cuja indignação é expressa com tal exuberância, que ele produz mais ruído que comunicação; o encosto-fomentador, aquele que está sempre nas sombras esperando a oportunidade para instilar o seu veneno ou, ainda, “montar” nos ombros dos incautos, e principalmente nos de outras bactérias, a fim de potencializar o efeito do mal.

São muitos, enfim, os tipos de microorganismos patogênicos; e essa classificação – claro – é apenas uma das tantas que poderiam ser feitas. Mas o que importa é que sempre – sempre, isso está devidamente registrado – que ocorre uma infecção, provocada por uma ou várias dessas bactérias em viciosa associação, o organismo da comunidade fica ressentido, debilitado: depois da febre vem a frieza, o silêncio, ocorre como que uma narcolepsia que em muito se assemelha à própria morte. E tudo por causa da atuação de um elemento que não foi neutralizado imediatamente em nome da “democracia” e da “liberdade”.

Uma coisa que tem que ser dita é que mesmo os mais pacíficos cidadãos, num momento ou noutro, podem ter comportamentos que se assemelham aos descritos na definição das bactérias acima. Registraram-se casos de participantes normalmente educados e amistosos que, numa dada situação, literalmente perderam a paciência e reagiram de forma bem agressiva. De modo geral, isso ocorre em decorrência de uma grave infecção provocada por uma das bactérias acima descritas... A reação seria, pois, algo como uma febre, um acesso de vômitos, uma diarréia. Tudo perfeitamente compreensível, tudo perfeitamente dentro do direito que tem um organismo de reagir a um patógeno.


O “respeito editorial” às especificidades dos tópicos

A moderação tem sentido necessidade de estabelecer um certo respeito editorial às especificidades dos tópicos, até porque são comuns as reclamações de que um determinado tópico foi “invadido” por uma temática “alienígena”, para a qual existe já um tópico específico que, de resto,não goza da simpatia de muitos participantes. (Um caso emblemático é o do tópico “Assembléia Geral do Clube dos Patifes”, execrado por muitos, sobretudo mulheres, e cuja “ideologia” andou visitando outros tópicos, o que provocou protestos agudos – por mais disfarçados que estivessem sob a capa do humor.) Entretanto, sabe-se que é impossível manter os tópicos rigorosamente presos à temática do cabeçalho. Esse rigor jamais aconteceu nem aqui nem em comunidade alguma, porque os papos são regidos por uma lógica, sim, mas aquela lógica fundamentada em associações de idéias. Eu, de fato, pelo menos em se tratando de tópicos mais “sérios”, preferiria que eles se mantivessem nos trilhos do assunto inicial, de modo que alguma luz pudesse enfim ser alcançada. Mas eu sempre me manifestei a favor da indisciplina – porque o que não tem remédio, remediado está. Mas será que a moderação deve permitir a indisciplina total, o caos, a entropia epistemológica? Não seria interessante um moderado rigor, de modo a impedir, por exemplo, que um certo tipo de bactéria – a inconveniente – ocupasse regular e indiscriminadamente tópicos variados com o assunto de sua preferência?


A questão da “linha editorial” de jornais e comunidades no Orkut

Convém sempre fazer um paralelo entre o Orkut e outras mídias.(Mídia sim, por que não?) Em muitos jornais, seria impossível estampar manchetes falando de poesia ou temáticas filosóficas; mas havia aqui mesmo em Niterói um tablóide interessantíssimo, editado por uma professora aposentada da UFRJ, que fazia exatamente isso. A comunidade tem uma linha editorial light, genérica, plural. Certas coisas, que aliás costumam impregnar e descaracterizar muitas comunidades, não são admitidas aqui, e não fazem a menor falta. E são os “editores” (a moderação), como falei, que administram, fiscalizam, viabilizam essa linha editorial. Os moderadores estão aqui para isso.

Pergunto: alguém aqui quer plena liberdade para qualquer tipo de tópico ou post? Para tópicos publicitários? Para tópicos políticos? Para tópicos de sacanagem? Para tópicos maliciosos, veículos de vírus? Para tópicos ofensivos? Para tópicos personalistas, do tipo “me add”, “deixa seu MSN?” Racistas? Xenófobos? Violentos?... Algumas comunidades não aceitam jogos de espécie alguma: quem os coloca é sumariamente expulso. Outras não aceitam palavrões, outras ainda convivem com todo tipo de grosseria e sacanagem, e até execram os que se opõem a isso. Existe gosto para tudo, e o usuário procura o ambiente em que se sente melhor. A verdade é que as comunidades têm um “tom”, que em geral é fruto do casamento das diretrizes da moderação com as contribuições dos participantes mais ativos.

A nossa comunidade, como é reconhecido por muitos, tem primado pelo espírito democrático. Mas ela, como foi dito, é administrada segundo uma filosofia e tem, grosso modo, uma linha editorial. Certos extremos provocam sempre reações. Algumas ocorrem pelo viés do pitoresco, do humor; outras são ácidas e descambam para discussões acaloradas e trocas de insultos.

O citado tópico da assembléia dos patifes despertou oposição (se me permitem a brincadeira) “tópica”, isto é, local; e foi criticado acerbamente também sempre que se “manifestava espiritualmente” em um outro tópico, através de post de algum “patife” ou mero simpatizante. A moderação correu a examinar os tópicos, detidamente, e não ficou convencida de que a reclamação era procedente. Resolveu, então, levar a questão a alguns dos membros mais ponderados e equilibrados da comunidade, a fim de ouvir-lhes a opinião.

(E aqui cabe um parëntesis. Muitos já receberam recados particulares – meus ou de outros moderadores. O objetivo da conversa particular é evitar a dispersão e os bate-bocas inevitáveis – espontâneos ou artificiais – que surgiriam se a questão fosse tratada em aberto. Além do mais, como foi dito, não se pode explicar certas coisas no espaço limitado de um post, ou mesmo dois; e manda o bom-senso que se evitem longos textos no Orkut. Devo dizer que os resultados dessas conversas têm sido excelentes: algumas pessoas me respondem sucintamente, concordando ou não, mas em geral dizendo que entendem a posição da moderação; outras fazem copiosas e lúcidas defesas de seus pontos de vista, mas mostram-se dispostas a colaborar; há ainda quem não dê qualquer resposta – felizmente, uma minoria inexpressiva.)

Pois bem: a opinião geral (não exatamente unânime) desse colegiado de notáveis foi a de que talvez valesse a pena levar em conta a reclamação quanto ao comportamento dos “patifes”. A moderação, então, ressalvando que não se tratava de opinião pessoal, mandou recado a quem estava envolvido, tendo recebido respostas elegantes e gentis. E o assunto foi resolvido.

Outra questão que incomoda é a da violëncia. Certos jornais jamais dariam manchete à notícia sobre um concurso de poesia; outros, jamais estampariam na primeira página fotos de cabeças cortadas. Talvez ambos falassem das mesmas coisas, porém com ênfase e detalhamento completamente distintos. O jornal dedicado a notícias policiais daria uma pequena nota, numa página interna, falando do concurso; e o jornal dedicado à literatura faria breve menção ao crime, também em página interna, talvez apenas na resenha de um ensaio sociológtico sobre a violëncia...

Quando a atual moderação ainda estudava o perfil da comunidade, registrando e analisando cuidadosamente as discussões que então se travavam sobre o assunto, houve quem sugerisse a proibição sumária de tópicos publicitários, políticos, de tópicos de joguinhos e frivolidades tais. A comunidade teria ficado muito asséptica se todas as sugestões tivessem sido atendidas! A moderação, como foi dito, optou por buscar uma linha editorial genérica: nada seria a priori proibido, ressalvados os tópicos “ofensivos, perniciosos e repetidos”. Mas já naquele momento ela sentiu necessidade de advertir contra a “privatização” do espaço da comunidade, contra a tendência de muitos a uma certa ubiqüidade narcísica potencialmente deletéria do ponto de vista da saúde inter-relacional.

Ainda assim, ainda que sabendo da necessidade de prevenir a excessiva ocupação de um espaço público com temáticas ou interesses privados, a moderação, como foi dito, raramente fez cumprir o disposto no regulamento – o texto do perfil. Prevaleceu sempre a contemporização, a brandura – excetuando em certos momentos de aguda crise em que foi inevitável agir com energia. Mas a idéia da moderação, atualmente (sobretudo depois de grave infecção bacteriana de que foi vítima a comunidade), é a de evitar que seja necessário agir com energia. Em vez de apagar incêndios, fazer aceiros.

Um desses aceiros diz respeito exatamente a essa questão da linha editorial, assim como da paginação da comunidade. Os “patifes”, que se mostraram verdadeiros cavalheiros ao acolherem um pedido do qual a moderação foi apenas veículo, hoje apenas salpicam sua patifaria em doses homeopáticas em tópicos com outras temáticas. Mas os políticos e assemelhados continuam alugando espaços na comunidade sem muito critério, seja criando tópicos sucessivos, seja invadindo tópicos alheios. Também os adeptos de temas violentos continuam agindo à vontade. Mas – claro – dentro da nova política de produzir aceiros, em vez de apagar incêndios, tudo isso deverá mudar.

Reprimir os tópicos políticos poderá provocar reclamações quanto à “censura”. A moderação vai decidir o que fazer, “no uso inalienável do livre-arbítrio e do bom-senso”, como consta no perfil. Eliminará talvez tópicos nitidamente de propaganda eleitoral, ou de anti-propaganda, criados para denegrir a imagem de um adversário. Mas permitirá que os membros da comunidade se manifestem livremente, reprimindo naturalmente o que considerar excessivo.

O importante é frisar que será a moderação, calçada no discricionário poder que lhe é conferido, quem decidirá em todos os casos. Como foi dito, se a moderação pretender agradar todos, terminará na condição do velho da história, que decidiu levar nas costas o burro. Todo mundo tem, certamente, uma receita sobre como administrar a comunidade; assim como todos somos técnicos de futebol e especialistas em escolas de samba. E todos temos uma idéia do que seja o meio-termo ideal entre a repressão e a libertinagem. Um participante não deletaria certo tópico, mas deletaria outro; na opinião de um, aquela pessoa não mereceria reprimenda, mas a outra, sim, e vice-versa. Um certo nível de divergência acontece até mesmo entre os moderadores – que, por isso mesmo, muitas vezes conversam entre si quando se trata de tomar certas decisões mais importantes. Mas – claro – o assembleísmo, aqui como na vida em geral, não pode ser a norma norteadora de todas as nossas atitudes. Não podemos nos reunir, mesmo virtualmente (e houve reuniões presenciais), para decidir se um post ou tópico deve ou não ser excluído...

A questão da censura, da ética, do jornalismo “cortina de fumaça”

A questão da temática “sanguinolenta´ é um capítulo à parte. Pode ser que, no futuro, uma nova moderação imprima um caráter totalmente distinto à comunidade: imperarão os tópicos que falam de mortes, seqüestros, assaltos, os temas filosóficos e políticos serão totalmente desestimulados. Até lá, deverá prevalecer a postura da atual moderação, que vê, de resto, na ênfase à cobertura de crimes, uma motivação subterrânea que talvez escape aos próprios profissionais nisso empenhados, que é a de desviar os olhos do grande público daquilo que verdadeiramente interessa, produzir uma cortina de fumaça para que os verdadeiros problemas permaneçam ocultos e intocados.

O jornalista Pedro Porfírio escrevia em 21 de setembro de 2007 na Tribuna da Imprensa:

O Brasil de hoje não é diferente do Brasil de ontem em matéria de corrupção e favorecimentos escandalosos. Alguns personagens até aparecem nos mesmos filmes. A diferença é que os meliantes de agora não parecem tão profissionais e incorrem em descuidos elementares.

Mas nenhum desses brasis é visível a olho nu. Uma mídia entre a incompetência e a má-fé nos oferece diariamente uma salada de informações superficiais, comprimindo-nos no falso debate e na reação programada, de forma que temos que nos posicionar na superfície e sobre ela desaguarmos nossa revolta.

De minhas participações no Orkut, pesco as seguintes passagens:

Há, freqüentemente, uma intenção claramente ideológica (além da imediatamente mercadológica) nessa valorização do pitoresco, mórbido, inusitado, escabroso: narcotizar o grande público, criar uma cortina de fumaça, feita de escândalos e fofocas, que o distraia daquilo que realmente compõe a tessitura sócio-político-econômica que o envolve.

Muitas das notícias sobre assaltos, corrupção, tetos salariais do judiciário, rombo na previdência, nepotismo e não sei mais o quê parecem muito graves e importantes; mas compõem na verdade uma espessa cortina de fumaça que afasta o cidadão da visualização dos verdadeiros problemas e das possíveis soluções.

Adriano Benayon, em gentil resposta a e-mail, me escreveu:

De fato, a grande maioria das pessoas é envolvida pela desinformação e apassivada por meio de mecanismos diversos, empregados pelo sistema de poder, e por isso não se dá conta de que o que ocorre com o Brasil será determinante de seu futuro e do futuro dos descendentes daquelas pessoas.

Nos tempos da ditadura militar, Millôr Fernandes pontificou: “A função do jornalismo é ocultar a notícia.” De fato, tudo era noticiado, menos o que não interessava ao regime. O jornalismo, na verdade, confundia-se com publicidade. Hoje vivemos outros tempos, mas pergunto: será que as coisas mudaram tanto assim? Informações nos chegam aos borbotões – mas será que elas nos ajudam a compreender o mundo ou, muito pelo contrário, representam uma cortina de fumaça para nos distrair e confundir?... Quando passamos por uma banca de jornais, o que vemos são os mais variados apelos: todos os símbolos, os mitos da sociedade contemporânea estão ali presentes, como que encarnados numa sereia de mil faces e mil vozes, capaz de nos arrastar ao abismo da inércia, da estupidez, do conformismo, da cegueira. O jornalista Bernardo Kucinski diz que “o jornalismo existe para socializar as verdades de interesse público, para tornar público o que grupos de interesse ou poderosos tentam manter como coisa privada”. Ora, podemos sinceramente dizer que é isso o que faz, majoritariamente, a nossa mídia? Não: a mídia realça o acessório, o detalhe, o pitoresco, o mórbido. Enquanto o povo se diverte, ou tem a sensação de estar sendo informado, os poderosos continuam movendo secretamente os cordéis e, entre gargalhadas de escárnio, manipulando milhões de pessoas. De vez em quando, para não pegar mal, inventam alguém para vestir a fantasia de crítico e, assim servir de voz para aqueles que, apesar de toda a prestidigitação midiática, se sentem incomodados a precisam expressar o seu mal-estar cívico. Aí aparece um Mainardi, que, como escrevi há tempos, “é (...) um 'opinador de aluguel' (a expressão é minha, mas a definição é dele) que funciona mais ou menos com um boi de piranha ideológico para atrair a atenção de uma parcela do grande público que anseia por alguém que expresse sua indignação ‘com isso que está aí’. (...) Mais acima, a manada dos grandes interesses atravessa incólume o rio da indiferença popular”.

A relatividade do conceito de “vontade da maioria”

Fala-se muito em democracia, em “vontade da maioria” e em coisas tais. Aliás, uma das táticas do jornalismo que visa “ocultar a notícia” é exatamente a de manter o público ocupado com rótulos e conceitos, todos devidamente embrulhados pelo papel dourado do “politicamente correto”. Bem, em primeiro lugar, sabe-se que, nessa nossa “democracia representativa”, certamente não é o povo, em sua maioria, que está representado... Os políticos, salvo exceções, estão lá representando banqueiros, ruralistas, especuladores, multinacionais... Povo? Quem falou em povo? Em segundo lugar – e muita atenção ao que vou dizer – nem sempre a vontade da maioria representa justiça. Num determinado grupo, por exemplo, a maioria pode desejar uma certa coisa; e uma pequena minoria, outra. O problema é que o desejo da maioria talvez se baseie em frívolas inclinações; e o desejo da minoria pode estar calcado numa questão de suma importância...

Exemplo fictício de relatividade do conceito de “vontade da maioria”

Suponhamos, por exemplo, que, numa sala de aula, haja 40 alunos. Destes, 39 gostam de perfumes e 1 – apenas um – tem alergia atroz a perfumes. O que dirá o professor, na condição de “juiz”? Que deve prevalecer o direito da maioria de usar perfume? Ou que os 39 adeptos de perfume deverão sujeitar-se à necessidade do aluno alérgico, que poderia passar mal se aspirasse perfume durante um certo tempo?... Nem sempre respeitar a vontade da maioria é o melhor caminho para fazer-se justiça.

Relatividade do conceito aplicada ao universo do Orkut

Suponhamos que muitos se divirtam sobremaneira no bate-papo do Orkut, e evitem tópicos indigestos, que falem de política ou leis, assim como os sanguinolentos e macabros, que relatem mortes, torturas, seqüestros de bebês, cabeças cortadas, estupros seguidos de morte de crianças. Conheço pessoas que mudam de canal de TV à simples menção de reportagens de semelhante teor. Eu mesmo, sobretudo quando o crime envolve crianças (e me ocorrem exemplos agora que eu obviamente não vou explicitar), sinto um incômodo que me faz passar imediatamente a outro canal, outro assunto. Pois bem: eis que o participante orkutiano, “alérgico” a certas temáticas, vê a seqüência do bate-papo subitamente interrompida pela irrupção de um tema escabroso, mórbido, sinistro. Não é natural que ele reclame? Talvez a maioria “não esteja nem aí”. Mas não seria natural respeitar a vontade daquela minoria que se sente profundamente afetada com aquela desarmonia, aquele “atravessamento do samba”?... Mais: não tem a moderação, na condição de gestora da linha editorial da comunidade, direito de vetar certos assuntos, ou exigir que eles sejam tratados nas seções apropriadas, exatamente como faz o editor de um jornal?



O alerta sobre a concentração de renda e desesperança da juventude

Escrevia o economista Carlos Lessa em janeiro de 2005:
“A nossa juventude, sem utopias e sem perspectivas, corre o risco de perder o ânimo. Os pais de família dormem intranqüilos quanto ao futuro. A matriz desta crise é o alto desemprego e o subemprego em níveis sem precedentes, acompanhado de marginalização social e índices crescentes de criminalidade e violência.(...) Frente a este quadro, as elites do dinheiro e do poder pretendem sua unificação cósmica com os seus pares internacionais, pelo consumo, pelo patrimônio e pelos padrões contratuais.(...) O refrão ideológico de que a crise social será resolvida pelo mercado supõe que o investimento externo é comprometido com o desenvolvimento nacional. Esta é uma suprema ingenuidade. O investimento externo foge e desconhece a pobreza. Não tem qualquer compromisso com a inclusão social.(...) A economia política brasileira transformou-se em uma máquina poderosa e eficiente de transferência de renda dos pobres para os ricos, logo de cristalização da exclusão social (...)”

Texto do prof. Lessa:
http://www.consciencia.net/2005/mes/01/carloslessa-obrasiltemsaida.html


A recusa da moderação a repetir, no Orkut, a manobra diversionista e hipnótica promovida pela grande mídia

É muito comum que se confundam efeitos com causas. Ou que se coloque a culpa no “bandido” errado. É, para muitos, verdadeira heresia que se associe automaticamente miséria (Dercy Gonçalves: “No meu tempo havia pobreza, mas não essa miséria...”) à criminalidade. De fato, ninguém irá transformar-se em criminoso apenas porque é pobre; e ninguém necessariamente adoece apenas porque passa fome. Mas a pobreza e a fome são fatores que sem dúvida facilitam, respectivamente, a eclosão do crime e da doença... Qualquer estudante de medicina pode explicar que um organismo desnutrido é muito mais vulnerável às doenças; e qualquer sociólogo ou historiador poderá explicar que condições socioeconômicas precárias podem representar um verdadeiro caldo de cultura para o desenvolvimento de vários distúrbios sociais. A grande mídia, entretanto, empenha-se em martelar a necessidade de investimentos estrangeiros, e em criar um clima de perplexidade, de paralisia, a nos manter assustados com a violência que, em grande parte, é provocada exatamente pela falta de oportunidades para milhões e milhões de brasileiros! Se a grande mídia faz isso, pouco podemos fazer a respeito; mas aqui, em nosso espaço, nesse sagrado e maravilhoso espaço da Internet, e no restrito espaço da comunidade orkutiana que nos cabe administrar, em particular, não iremos reproduzir a ignóbil manobra. Jornal não tem linha editorial, não tem “cara”? Pois que a cara da comunidade Niteroi / Niterói seja a cara da confraternização, das discussões mais profundas, do aprendizado em comum, da busca da verdade subjacente aos fatos superficiais.

O que a moderação está tentando dizer é que ela irá se fazer presente. Até agora, por conta de uma natural inclinação à contemporização, buscou-se muito mais a acomodação e o “jeitinho” do que a imposição de certos princípios. Bastaria que o perfil da comunidade tivesse sido seguido à risca, para que muitos problemas tivessem sido evitados! Pois agora a proposta é a de que os moderadores apliquem a lei. Como foi dito, num hipotético futuro, numa futura Idade do Ouro, não serão necessários leis, advogados, juízes, policiais, prisões. O indivíduo agirá em sintonia com o interesse comum e saberá respeitar o espaço e o direito do próximo. Mas isso ainda tarda... A nossa realidade é dos automóveis que avançam sinais ameaçando pedestres, é a da criação de guetos sociais, é a do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Eis por que não podemos, hoje, aplicar a liberalidade que funcionará perfeitamente no remoto futuro.

O que é preciso ficar claro é que a moderação não está propriamente preocupada em convencer ninguém de coisa alguma. Enquanto muitos passam com o milho de afirmações irrefletidas e desabafos intempestivos, a moderação está voltando com a pipoca de conclusões resultantes de muita observação, muita conversa, muito registro e muita reflexão. Em linguagem jurídica, poderíamos dizer que formei “convencimento”, na condição de “juiz”.

Eu tinha certa preocupação quanto ao que estariam pensando meus colegas moderadores. Nem sempre as conversas virtuais são suficientemente esclarecedoras, por “picadas”, rápidas, perdidas em meio ao torvelinho de pendências de toda ordem. Pois eis que conseguimos promover um encontro presencial, onde várias questões puderam ser abordadas entre goles de cerveja. Para minha quase-surpresa, o consenso entre os moderadores é o de que eu mais que faço jus à afirmação de Luli, a antiga owner da comunidade, que a mim se refere como “o rei da paciência”! Poderia, sem dificuldade, reunir, seja em arquivo de texto, seja sob a forma de prints, dezenas de passagens que mostram-me em pleno flagrante de exercício dessa minha faculdade... Eu fui desafiado, agredido com ofensas pesadas, agredido de forma sutil e, principalmente, tive minha inteligência ofendida muitas vezes pela tentativa, por parte de alguns, de distorcer vergonhosamente os fatos através do recurso às mais torpes falácias.

Uma das ações mais comuns consiste em tentar tornar a moderação refém da idéia, qual espantalho bisonhamente manipulado, de “liberdade de expressão”. Ah, quanta bobagem tem sido dita em nome desse conceito!... Em mensagem particular a membro da comunidade em 5 de março de 2008 eu expliquei:

Muitas coisas desagradáveis e desnecessárias aconteceram na comunidade por conta de excessiva fixação na idéia de liberdade de expressão. Nenhuma escola, nenhuma instituição, nenhuma empresa, nada funciona em regime de liberdade total para que cada um faça e diga o que quiser. É para isso que existe a chamada Lei. Sua surpresa talvez esteja em que a lei se volte contra você, que parece acreditar-se detentor de todas as certezas e ser o paradigma da justiça. Esta é a novidade: a moderação está resolvendo aplicar a "lei"; porque para cada franco-atirador, para cada adepto da briga de foice no escuro existem 100 pessoas que ficam descontentes com o clima gerado e se afastam. Os debates são possíveis e têm acontecido em ótimo nível, com total liberdade. Mas aqueles que se comprazem em envenenar o ambiente serão, sim, reprimidos. Mais uma vez cito Bernardinho: tenho o dever de fazer isso. Em nome do coletivo.

Comentário de owner de comunidade dedicada exatamente à discussão da ética orkutiana:

O pessoal que (...) já participou de qualquer lista ou grupo de discussão sabe que eles não sobrevivem sem regras. (...) Mesmo em lugares públicos é preciso se comportar conforme as regras.

No momento em que redijo estas linhas, em março de 2008, chegam já a 451 as páginas do arquivo de texto em que venho fazendo meus registros orkutianos. Quanto aos prints, somam já 488! Tenho, pois, um respeitável dossiê, um registro bastante significativo do que aconteceu na comunidade Niteroi / Niterói nos dois ou três últimos anos. Eu poderia fulanizar todos os meus relatos; poderia ilustrar fotograficamente as minhas afirmativas; poderia provar que o paladino da liberdade, hoje, é exatamente o perseguidor inquisitorial de ontem ou de amanhã; poderia mostrar as injustiças de que foi vítima a moderação, com tão-somente exibir as seqüências dos diálogos; poderia mostrar as contradições, as intrigas, as agressões explícitas ou subtextuais (no entanto perfeitamente visíveis), a ranhetice, a chatice, o espírito-de-porco, o comportamento terrorista, anti-social. Poderia também – felizmente – mostrar comentários elogiosos quanto ao trabalho da moderação, que sempre foi muito cuidadosa, delicada, permissiva – e cujo grande erro talvez tenha sido exatamente esse.

Eu mesmo me surpreendo, pesquisando em meus registros, ao encontrar numerosas passagens que mostram a minha extraordinária paciência no trato de certos episódios ocorridos na comunidade. Mesmo que a paciência propriamente dita – o sentimento – ameaçasse esgotar-se, eu invocava aquelas reservas éticas a que sempre devemos recorrer para evitar atos precipitados e injustiças. Mas, se é verdade o dito russo – “o martelo quebra o vidro e malha o ferro” – a minha férrea paciência, sob efeito de marteladas constantes e em sua maioria injustas, desfechadas por personagens a que poderíamos chamar, grosso modo (a partir de classificação bem abrangente proposta pela psiquiatria), de sociopatas, tornou-se um monólito praticamente inamovível, assentado sobre terreno também sólido de experiências e reflexões sedimentadas sob a forma de consistentes convicções.

Não é, pois, o esgotamento da paciência o que nos leva a pensar em mudanças no tocante à administração da comunidade. Pelo contrário: é a sabedoria desenvolvida ao longo desses anos de convivência nesse microcosmo que é o site de relacionamento chamado Orkut.

Em 11 de agosto de 2007 eu escrevia aos moderadores:

Eu já bati demasiado nessa tecla, mas parece necessário insistir: na condição de moderador eu persigo a equanimidade com um empenho quase religioso. Mas eu sei que “fazer justiça” é sempre muito difícil. Não podemos estar aqui 24h, não podemos ler tudo, saber de tudo; até porque (...) nem sempre o mal, a agressão estão visíveis: algumas vezes estão no nível subtextual e têm referências em nefandos e ocultos antecedentes. Por menos interesse que eu tenha na vida alheia, algumas coisas terminam chegando aos meus ouvidos; e outras se revelam aqui mesmo no espaço do Orkut.

Escrevi também, no mesmo dia 11 de agosto:

Algumas pessoas parecem sempre estar no olho do furacão. Ou provocam diretamente, ou incendeiam as polêmicas. (...) A moderação, em alguns casos, quando ocorre de estarem os envolvidos online, chega pedir licença para eliminar alguns posts mais agressivos, e recebe essa permissão até vazada em termos muito bem-humorados. Na maioria dos casos, entretanto, a moderação encontra uma situação já estabelecida, e tem que refletir bastante para decidir sobre o que deletar, e como deletar. (...) Mas tem agido: algumas vezes eu encontro, logo pela manhã, posts perigosos – algo assim como aquela garrafa long neck que um maluco lança pela janela do carro no fim da noitada, já bêbado, sem pensar nas conseqüências. Então, antes que alguém se corte, eu recolho o vidro.(...) Agora: quando alguém coloca um post que nos incomoda, ou um tópico considerado inconveniente ou frívolo, pedimos imediatamente a exclusão de ambos; quando colocamos posts ou tópicos até piores e eles são deletados, trata-se de censura...

Moderador é como árbitro de futebol: jamais conseguirá agradar a todos, e a cada momento será acusado de favorecer um dos lados. Eventualmente, como “moderação não é profissão” e ninguém pode ficar aqui fazendo um levantamento acadêmico ou policial dos eventos, algumas injustiças poderão ser cometidas: uma agressão pode escapar ao cutelo da moderação simplesmente porque não foi vista! (...) Os psicólogos sempre disseram que as crianças precisam de limites – e uma das explicações para o comportamento criminoso de muitos jovens de classe média é exatamente o fato de que não receberam eles, na infância e adolescência, uma educação em que se acostumassem a ouvir tanto “sim”, quanto “não”. A permissividade gera monstros. (...)

No dia 20 de agosto de 2007, conversando com os moderadores sobre reclamação que me havia chegado quanto à censura de tópicos, escrevi:

Se está havendo exagero na produção de abobrinhas, talvez seja dialeticamente natural a contrapartida de um pouco mais de repressão. Ontem assisti à entrevista do Bernardinho ao Roberto D'Ávilla. Num dado momento ele disse, a respeito do corte do Ricardinho: "Não houve um momento em que eu não pensasse no meu direito de fazer isso; mas não houve um momento em que eu não pensasse no meu dever de fazer isso, pensando no bem coletivo."(...) O que acontece é que, de fato, parece mais uma vez ter ficado provado que muitas pessoas precisam de limites, freios, precisam sentir a mão pesada da lei. Ainda vai levar um tempo para que o indivíduo saiba exercer sua liberdade numa sociedade em que os limites sejam espontânea e sabiamente estabelecidos pelo próprio indivíduo. Até lá, será preciso que esses limites sejam dados pelas autoridades constituídas. Pelo bem da sociedade como um todo.

Em 21 de agosto, dando continuidade à discussão, fiz comentário sobre comportamento indevido e desrespeitoso de certo membro da comunidade, que, ao detectar certos problemas, saíra a fazer acusações à moderação,

(...) ignorando mais uma vez a verdade proferida por Adriana de que "moderação não é profissão" e ninguém pode ficar 24h no Orkut. Outra coisa: com tal atitude, ele dá ensejo a quê?... A que todos os desafetos dos moderadores, ou simples espíritos-de-porco, juntem-se a ele numa saraivada de pedras contra sempre mui transparente vidraça da moderação.

Muitos dizem adorar “botar pilha”, e o fazem realmente, de forma totalmente irresponsável. Pode ser muito fácil e divertido, realmente, botar fogo na casa alheia, sabendo-se que se pode a qualquer momento bater em retirada e contemplar de camarote o incêndio. Há ainda os piromaníacos que se comprazem em brincar entre as chamas, qual macacos inconseqüentes e incapazes de avaliar o mal que possa estar sendo causado; ou capazes, sim, de avaliar o mal, mas totalmente indiferentes a essa possibilidade. Trata-se a comunidade do Orkut como muitos tratam as coisas públicas: com desprezo, descuido. Depredam-se orelhões com a mesma facilidade com que se destrói um clima de amizade cultivado ao longo de muita convivência virtual.

Em e-mail a membro da comunidade em 1º de setembro de 2007, eu comentava:

A moderação tem observado que (bem na linha da "Teoria do Caos"), pequenas causas podem provocar grandes conseqüências. Às vezes, o mau-humor ocasional de um participante da comunidade pode dar origem a um desnecessário desgaste do tecido social em que ela é urdida. Pode-se fazer um paralelo com o terrorismo: um único homem-bomba pode causar a morte de até centenas de pessoas e causar um sofrimento que deixará marca por décadas. Em muitas comunidades (e mesmo na Niteroi / Niterói, em outros tempos) os "terroristas" são sumariamente eliminados. A moderação da Niteroi / Niterói procura conversar com eles. Antes, conversava em aberto; mas descobriu-se que muitos outros "terroristas", ou meros espíritos-de-porco, aproveitavam para fazer novas provocações e colocar mais lenha na fogueira, exatamente como fazem os provocadores em certas torcidas organizadas de times de futebol. Portanto, temos preferido dar recados em caráter particular.

Nós, na comunidade Niteroi / Niterói, estivemos brincando de “coisa pública”; mas uma comunidade no Orkut, como se sabe, tem um “owner”, e cabe a ele decidir o que deseja ou não ver no espaço que ele administra. Se alguém tem que estabelecer a “linha editorial” da comunidade, se alguém tem que dizer o que pode ou não pode, se alguém tem apitar faltas, dar cartões amarelos ou vermelhos, obviamente que é o “owner”, acompanhado de seus moderadores auxiliares.

O grande problema é o espírito de “casa da Mãe Joana”, de “terra de ninguém” que se instala quando as autoridades são muito lenientes, complacentes. Eu fui “acusado” de ser muito “paciente”, muito “fino”... E isso foi dito por algumas dos mais equilibrados e cultos participantes da comunidade Niteroi / Niterói. Fui igualmente “acusado” de “explicar demais”, “dar muita idéia” – quando muitas pessoas nada mais querem que ocupar narcisicamente espaços ou tumultuar, como macacos em casa de louças. Não afirmo isso com base em um ou dois episódios que vivi desde que assumi a moderação da Niteroi / Niterói: faço-o a partir de DEZENAS de experiências semelhantes, que costumam ter um roteiro muito parecido: 1. um “agente provocador” (que pode ser do tipo “intelectual”, “terrorista”, “desbocado”, etc.) dá origem ao tumulto; 2. algumas pessoas se sentem agredidas e retrucam; 3. surgem logo os “oportunistas” (que também podem ser divididos em sub-categorias), que passam a colocar lenha na fogueira – ou a fingir que tentam apagar o fogo, mas lançando sobre ele gasolina, em vez de água; 4. a moderação é convocada a intervir, enquanto muitos sustentam que nada de errado está acontecendo e que o “debate” deve continuar liberado; 5. chegue-se ou não a algum termo, a alguma conclusão após o entrevero (na verdade, jamais se chega), uma coisa é certa: a comunidade esfria, alguns membros menos afeitos a esses ambientes hostis terminam mesmo por deixar de freqüentá-la. Em resumo: os “surtos febris” deixam a comunidade debilitada, ferida exatamente na sua espinha dorsal, que é o sentido de confraternização, de virtual convivência.

Rumo à “homeostase”

Eu conversava recentemente com um dos mais sensatos membros da nossa comunidade e ele me dizia perceber que ela está amadurecendo. Ela estaria, segundo ele, tendendo àquele estado de equilíbrio que a fisiologia define como homeostase. A cada crise, a comunidade ascende a um novo patamar de auto-conhecimento e se torna ainda mais equilibrada. Esses patamares podem significar muita coisa, inclusive a deserção de membros que não se sintam muito integrados ao novo ambiente. Esse tipo de coisa acontece em todos os setores, em todos os lugares, e no Orkut não poderia ser diferente.